Home » Estratégia » Por que jornais não devem dar notícias gratuitas durante crises?

Por que jornais não devem dar notícias gratuitas durante crises?

Estratégia
11 minutos para leitura
Notícias gratuitas

Em tempos de crise, um assunto bastante discutido é se jornais devem ou não divulgar notícias gratuitamente.

Alguns de meus clientes são jornais e vejo a discussão em diversas esferas: direção, comercial, redação, assinantes e leitores. Vou tentar desenvolver um raciocínio sobre os motivos pelos quais os jornais não devem dar notícias gratuitas durante crises.

Utilidade pública e tendência

Podemos olhar para este assunto sob duas perspectivas básicas: curto prazo e longo prazo.

Notícias gratuitas a curto prazo

Divulgar notícias gratuitamente pode ser interessante sob o ponto de vista de geração de tráfego (para o jornal) e manter a sociedade informada (leitor).

A maioria dos jornais durante a COVID-19 ofereceram cobertura gratuita ou baixaram seus muros para a cobertura da crise. Alguns aproveitaram o aumento de tráfego (visto que as pessoas buscaram se informar um pouco mais) para capturar mais inscritos.

Os veículos que utilizaram chamadas inteligentes, dentro de suas matérias, solicitando apoio dos leitores conseguiram aumentar consideravelmente o volume de inscritos e em alguns casos até de assinantes.

Se o seu jornal conseguiu isso durante uma crise, parabéns! Provavelmente conseguiu capturar um lead qualificado, que se identifica com o seu veículo, ou um assinante que viu valor na sua oferta.

Tudo certo em relação ao curto prazo (desde que você tenha capturado alguns inscritos).

Leia também: Objetividade e perspectiva jornalística

Notícias gratuitas a longo prazo

Aqui mora o perigo.

Se você oferece notícias gratuitamente apenas uma vez, ok. O problema está em fazer isso em todas as crises.

Lembro que na greve dos caminhoneiros de 2019 os jornais fizeram o mesmo (baixaram seus muros). E um ano antes o fizeram por outro motivo. E antes por outro e assim foi.

O que acontece aqui é que dar notícias de graça em tempos de crise torna-se algo esperado. É o que as pessoas acabam esperando que aconteça.

Os que o fazem, estão dizendo aos leitores algo do tipo:

Não se preocupem! Toda vez que algo importante acontecer as notícias serão gratuitas.

Chega ao ponto das pessoas não darem mais valor a isso e acharem que é uma obrigação. Classificam os jornais como serviço essencial e de utilidade pública ou qualquer outra coisa que justifique ter notícias de graça.

Comportamento egoísta do leitor

Passando por alguns comentários num dos jornais que presto consultoria me deparo com os seguintes comentários:

Comentários de leitores sobre paywall

Perceba que não se trata de uma montagem. Os 3 comentários vieram em sequência mesmo (e com apoiadores que curtiram).

O leitor está sendo egoísta, em alguns casos sem perceber. Gosto de pensar que não é por egoísmo mas que apenas não pensaram o bastante antes de comentar.

Se você já fez comentário similar ou conhece alguém que tenha feito faça um teste. Responda a estas perguntas:

Por que você acha que os jornalistas não deveriam ser pagos pelo seu trabalho? Como eles pagarão o aluguel, escola das crianças, comida, etc.?

Você provavelmente responderá ou ouvirá respostas como:

Claro que os jornalistas devem ser pagos. As notícias é que devem ser gratuitas!

O quê? Espere aí que eu não entendi muito bem. Basicamente o que estão dizendo então é algo do tipo:

Os jornalistas devem ser pagos mas também quero que as notícias sejam gratuitas. Não quero pagar por isso. Alguém deve pagar essa conta.

É ainda pior quando se tenta justificar que notícias devem ser gratuitas para que todos tenham acesso, especialmente os mais pobres.

Fica algo do tipo:

Os jornalistas devem ser pagos mas também quero que as notícias sejam gratuitas. Não quero ajudar os mais pobres. Alguém deve ajudá-los.

Penso que não preciso continuar neste tópico.

Um peso, duas medidas

O que leva uma pessoa a pensar que alguém deve oferecer o fruto do seu trabalho sem receber nada em troca?

Por acaso chegamos ao supermercado e pedimos para que doe todo seu estoque de comida para pessoas pobres? Vamos até uma loja de artigos esportivos e pedimos para que doem seus tênis de graça para que pessoas pobres possam ficar em forma? Pedimos para médicos e enfermeiras trabalharem sem remuneração?

Como você se sentiria se alguém viesse até você e dissesse que é sua obrigação oferecer seus serviços gratuitamente? Você trabalharia sob essa condição?

Por que os jornais são a única indústria que aparentemente precisa doar seu trabalho de graça para resolver um problema social?

Não vamos resolver o problema de pobreza e desigualdade social dando notícias gratuitas às pessoas.

Por que então as pessoas pedem notícias gratuitas?

As pessoas pedem notícias gratuitas pois pensam que todos os veículos de comunicação nadam em dinheiro. Isso nem sempre é verdade.

Olhe para um jornal local de uma cidade com menos de 300 mil habitantes e verá uma realidade bem diferente de grandes portais ou emissoras de TV. E nestes últimos também são poucos que contam com uma situação financeira favorável.

Notícias gratuitas são uma coisa recente. Até a década de 90 você dificilmente encontrava notícias gratuitas. Lembro que era pequeno e pedia para a minha mãe comprar um jornal ou revista eventualmente (não tínhamos condições de assinar uma revista ou jornal pois “era caro”). Peça para seus pais ou avós como era assinar um jornal nos anos 80.

Pagar por notícias, um bom jornal, era o óbvio a se fazer se você queria ficar bem informado. Isso não se questionava. Era como pagar água, luz, telefone, mercado, etc.

Ah, Dilmar… mas em tempos de crise as notícias devem ser gratuitas!

Uma ova! Não foram gratuitas durante a Gripe Espanhola ou durante a Segunda Guerra Mundial, por que deveriam ser agora? (Clique nas imagens abaixo para ampliá-las)

Então o que mudou? Por que as pessoas pensam que notícias devem ser gratuitas nos dias de hoje?

Publicidade, internet e empresas tecnológicas

A primeira coisa que mudou foi a publicidade. Nas décadas de 80 e 90 os jornais tiveram um aumento significativo na receita publicitária. Isso fez com que surgissem novos jornais com receita exclusivamente publicitária e com distribuição gratuita.

Leia também: Vamos proibir a publicidade direcionada!

Depois, veio a internet. Era uma novidade e muitos jornais começaram a publicar seus artigos on-line, uns de forma experimental e outros como marketing. E, é claro, como esse não era o foco principal dos negócios, os artigos foram publicados gratuitamente para máxima exposição.

E então surgiram as novas empresas de tecnologia, focadas em alcançar o máximo de pessoas possível usando o dinheiro injetado por seus investidores, e é claro, dando tudo de graça.

Passamos 10 anos ensinando às pessoas que o dinheiro não era motivo de preocupação, que a escala era tudo, que a publicidade era abundante e que as pessoas deveriam ter o que quisessem gratuitamente.

Poucas conseguiram sobreviver. Google, Yahoo e mais tarde Facebook são alguns exemplos mas são exceções. Poucas empresas que ofereciam notícias gratuitamente sobreviveram. Você lembra quantos portais havia no Brasil no final da década de 90?

O modelo gratuito nunca funcionou para eles, só estavam vivos enquanto seus investidores estavam colocando dinheiro. Ou fecharam as portas ou foram vendidos/incorporados por alguma empresa de mídia ou empresa maior.

Crise de 2008

O grande golpe nos jornais aconteceu em 2008. Após a crise financeira de 2008 a receita dos jornais vinda da publicidade desabou.

Aliado a isso, os anunciantes direcionaram seus recursos (agora mais escassos) predominantemente para Google, YouTube e Facebook.

E agora, como manter os jornais abertos e lucrativos?

Assinaturas. Essa tendência começou a se intensificar após 2008 mas ainda está amadurecendo. Muitas pessoas ainda pensam que tudo que está na internet deve ser gratuito, inclusive notícias.

Ok. Não temos mais a receita da publicidade e o modelo de assinaturas ainda não se sustenta. A quem recorrer? Quem vai pagar a conta dos que não querem pagar por notícias ou das pessoas pobres? Os ricos? O governo?

Não faz sentido!

Você gostaria que os jornais fossem patrocinados pelo governo e tivéssemos de recolher um imposto do tipo “ISJQN” (imposto sobre jornalismo de qualquer natureza)?

Como resolver a questão das notícias gratuitas?

Pense…

  • Divulgar as notícias gratuitamente, não funcionou;
  • Convencer os bilionários a administrar organizações de notícias não lucrativas, também não funcionou (nenhum bilionário gosta de perder dinheiro);
  • O governo deveria tornar as notícias gratuitas para todos, também não irá funcionar (caso funcione será a um custo muito grande de liberdade de imprensa).

As notícias não devem ser gratuitas. É um produto de valor pelo qual as pessoas deveriam estar pagando. É simples assim!

Quanto mais mostramos para as pessoas que notícias podem/devem ser gratuitas ou que, durante uma crise (sempre que algo importante acontece) deve ser gratuita, mais prejudicamos a indústria.

Podemos ver os danos que isso está causando. Podemos ver como o comportamento das pessoas está lenta mas seguramente levando-as a pensar (e até exigir) que as notícias sejam gratuitas. Podemos ver como o público fica com raiva se não damos notícias gratuitas durante uma crise.

Ninguém fica zangado com o supermercado por vender comida durante uma crise. Mas a questão é que os mercados nunca deram essa opção para as pessoas. A indústria jornalística sim.

Os jornais precisam fazer com que as pessoas queiram apoiá-los. Não precisa ser um paywall total. Há várias formas de se fazer isso. Independente do caminho escolhido, notícias devem ter valor para os leitores.

Talvez não seja isso que os jornais estão oferecendo hoje em dia.

Continue lendo: Dicas de SEO para publishers: 10 maneiras de aumentar sua audiência

Continue lendo: Menos conteúdo = mais conversão

Sobre o autor

Dicas gratuitas para otimizar o seu site!
  • Receba semanalmente dicas sobre SEO, analytics e WordPress.
  • Estratégias digitais e insights para melhorar suas conversões.