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Vamos proibir a publicidade direcionada!

Estratégia
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Publicidade direcionada

“Quem já viu um anúncio que o convenceu de que seu microfone está escutando suas conversas?” Essa é a introdução do documentário “Privacidade Hackeada” disponível na Netflix. Provavelmente sua resposta seja “sim”. Não se preocupe (ou melhor, preocupe-se muito!) pois essa é a resposta da maioria das pessoas.

Não se trata de estarem ouvindo ou não suas conversas, embora em alguns casos aconteça. Trata-se da coleta de milhares de informações sobre seu comportamento, em diferentes momentos do seu dia, da sua vida, das suas atividades, que nutre a publicidade direcionada como a conhecemos.

Eliminar a publicidade direcionada pode contribuir desde o aumento da privacidade do indivíduo até a melhoria dos veículos de comunicação. Pode ser uma forma de “consertar a internet”.

Publicidade direcionada vs. privacidade

Dois anos se passaram desde o escândalo envolvendo a Cambridge Analytica. Até hoje, governos e entidades regulatórias, ainda não conseguiram encontrar uma forma de controlar e fazer com que redes sociais e buscadores adotem melhores práticas em relação a coleta e tratamento de dados dos usuários.

Um estudo europeu, por exemplo, encontrou que o app de relacionamento gay Grindr estava compartilhando os dados dos usuários, incluindo localização precisa, com 35 terceiros (third-party). Outros aplicativos que eu e você temos em nossos smartphones neste momento fazem o mesmo ou até pior.

Muitas diretrizes foram cogitadas, normas estabelecidas, sabatinas com CEOs das grandes do Vale do Silício mas nada muito eficaz até o momento.

O problema está no modelo de negócio das redes sociais e aplicativos.

Em janeiro deste ano, respondendo a um congressista norte americano, o cofundador do Basecamp, David Hansson, sugeriu que a solução para nossos problemas de privacidade era simples. Se empresas não pudessem usar dados para direcionar suas campanhas qual a razão de coletá-los? Isso automaticamente fecharia a porta para eventuais desvios de conduta também.

Certo, podemos chegar a conclusão que devemos proibir as empresas de usarem dados pessoais para segmentação de publicidade. Radical? Sim! Necessário? Sem dúvida.

Em 2018 o jornalista David Dayen fez uma sugestão similar e o movimento vem ganhando adeptos.

Um modelo rentável

Vejamos: Google e Facebook obtém 83% e 99% da sua receita vendendo ads. O mesmo acontece com outras redes sociais e apps. Essas empresas estão no negócio de publicidade comportamental, que permite empresas basear suas campanhas de marketing em tudo sobre o comportamento do usuário, desde orientações sexuais, localização, ciclo menstrual (sim, até isso), etc.

O negócio de publicidade comportamental deu um salto e impulsionou empresas de adtech e o compartilhamento de dados entre anunciantes e produtores de conteúdo.

Ao invés de tentar corrigir tudo isso (captura, compartilhamento, venda e roubo de informações pessoais) por que não atacar a causa? Por que não remover o incentivo? Publicidade direcionada baseada em dados individuais dos usuários não existia há 10 anos. O próprio Google continua fazendo bilhões com publicidade atrelado ao termo da busca, ou seja, não direcionada a um usuário específico. E se as empresas não pudessem mais fazê-lo?

A única razão pela qual o Facebook e outras pessoas estão coletando esses dados, comprando esses dados – roubando esses dados – é porque os dados são muito valiosos.

David Hansson

Se você reduzir o valor desses dados para quase zero, todo o incentivo desaparecerá.

David Hansson

Publicidade direcionada como ferramenta de manipulação

Privacidade é apenas a ponta do iceberg. O modelo de publicidade segmentada também impulsiona conteúdos falsos nas redes sociais. Mais importante ainda, movimenta a política.

Um estudo de 2018 concluiu que “a infraestrutura de publicidade digital de hoje cria novas oportunidades perturbadoras para manipulação política e outras formas de comunicação estratégica antidemocrática.”

Sally Hubbard, uma das diretoras do Open Markets Institute, um centro de estudos antimonopólio, leva o argumento adiante:

Sinceramente, acredito que não resolveremos nenhum dos problemas com os quais estamos preocupados, como interferência nas eleições e desinformação, a menos que proibamos a publicidade direcionada

O modelo de negócio é o problema, não há dúvidas.

Futuro sem perfilamento

Imagine agora se “milagrosamente” não existisse mais publicidade direcionada. Como as coisas seriam diferentes?

Algumas mudanças seriam sutis. Você compraria uma par de tênis na Amazon sem receber anúncios da Reebok ou Nike pelos próximos meses. Talvez você veria anúncios e marcas que não conhecia antes. Hoje em dia alguns anúncios são praticamente feitos para serem discriminatórios.

O fim da publicidade direcionada não significa o fim da customização.

A Netflix ainda poderia sugerir séries ou filmes baseados no seu comportamento na plataforma. A Disney+ ainda poderia sugerir um spin off de Star Wars caso você tenha assistido algum filme da saga. O Spotify ainda poderia sugerir um álbum de Thelonious Monk após você ouvir Miles Davis. O que elas não poderiam fazer é comercializar suas preferências com terceiros.

Sem dados, redes sociais e apps teriam de buscar alternativas para recuperar essa fatia das suas receitas. Quem sabe uma versão premium do Facebook ou Instagram.

Publicidade segmentada e jornalismo

A última década foi complicada para o jornalismo, com ondas de perda de empregos ano após ano. O aumento da publicidade comportamental não é o único culpado, mas faz parte do problema.

A receita de anúncios em jornais, subindo constantemente até 2006, caiu desde então. Para onde os anunciantes levaram seus orçamentos? De maneira esmagadora, para o Facebook, o Google e a infraestrutura de publicidade que eles controlam. Tire a vantagem de segmentação e os profissionais de marketing teriam que voltar a pagar publicações para alcançar seus públicos, a chamada “publicidade contextual”. Livrar-se do microtargeting não restauraria sozinho o jornalismo para seus dias de glória, mas poderia ajudar.

Leia também: Por que jornais não devem dar notícias gratuitas durante crises?

Ao mesmo tempo em que as redes de tecnologia de anúncios começaram a dominar a publicidade na web, as formas tradicionais de publicidade e receita de assinaturas de jornais começaram a diminuir. Na pressa de impedir o sangramento, muitos veículos de comunicação fizeram parceria com empresas de tecnologia de anúncios para obter acesso às suas redes em expansão.

Essas decisões iniciais colocaram os veículos de notícias em um caminho no qual sacrificaram a privacidade dos leitores, reduziram sua capacidade de manter relacionamentos diretos com os anunciantes e, finalmente, colocaram sua sobrevivência nas mãos de intermediários como o Google e Facebook.

O resultado é que, à medida que as redes de publicidade on-line se tornam mais centralizadas, o modelo antigo de uma impressa livre e gerenciada de forma independente é substituído por um em que empresas gigantes de tecnologia controlam os dados dos usuários.

Leia também: Responsabilidade e privacidade na imprensa

Outras formas de monetização

Poucos gostam de fato da publicidade. As pessoas gostam do free. Gostam de poder assistir vídeos ou comunicarem-se com sua rede sem ter de pagar por isso. Isso alimenta a necessidade das redes sociais e apps buscarem monetizar suas plataformas.

Muitas empresas, principalmente as já sujeitas a regulamentação, têm levado privacidade e coleta de dados a sério e perguntado aos seus visitantes se desejam compartilhar seus dados com terceiros. 90% dos usuários não quer compartilhar dados com terceiros. Essas empresas já buscam uma forma de relacionamento direto com seu público.

Por outro lado, sabemos que a publicidade direcionada também tem sido um boa fonte de receita para produtores de conteúdo. O próprio Google anunciou recentemente que desativar os cookies de terceiros poderá levar a perdas de receita de até 52% por parte dos veículos.

Contudo, estudos acadêmicos sugerem que esse impacto seja menor (em torno de 4%). Em 2019, o The New York Times parou de exibir publicidade direcionada na Europa e sua receita não foi afetada.

A Procter & Gamble, maior advertiser do mundo cortou em 2017/2018 (não sei dizer sobre 2019) parte dos seus investimento em mídia digital, especialmente campanhas direcionadas, por considerá-las dinheiro jogado fora. Entre os motivos alegados estavam o baixo tempo de exibição dos anúncios (em média 1,7 segundos) e alta taxa de repetição.

Leia também: A era dos navegadores na publicidade digital

Manipulação do mercado de ads?

Muitos players apresentam estatísticas que instigam e movimentam o mercado a seu favor.

O próprio Facebook admitiu ter calculado mal o tempo médio gasto pelos espectadores assistindo a vídeos em seu site, atraindo a atenção de grandes compradores e profissionais de marketing. Isso por nada mais nada menos que dois anos.

Por outro lado, Mark Zuckerberg afirma que o Facebook deve proporcionar aos pequenos negócios maneiras de utilizar ads de forma mais sofisticada. O próprio Hansson (Basecamp) afirmou que teve muito sucesso com Facebook Ads, mais do que com qualquer outro tipo de campanha (embora hoje já não o faça mais por achar censurável).

Mídia programática

A maior parte da publicidade digital hoje viola em algum momento a GDPR da Europa (e outras leis de proteção de dados ao redor do mundo). Um dos grandes problemas é o sistema de “lances em tempo real” que conecta os anunciantes aos usuários.

Geralmente, quando há uma oportunidade de mostrar um anúncio, dezenas, centenas ou milhares de empresas competem em um leilão instantâneo e automatizado. No decorrer deste leilão, todas essas empresas (mais uma dúzia de intermediários) obtêm pelo menos acesso temporário aos seus dados pessoais.

A GDPR geralmente proíbe as empresas de processar dados do usuário sem consentimento. Os ativistas argumentam que é simplesmente impossível que os usuários deem seu consentimento para lances em tempo real quando não há como saber quais empresas estão envolvidas no leilão. Essa pode ser uma da maiores violações do uso de dados já vista.

A lei contudo oferece uma brecha em potencial: as empresas podem processar os dados do usuário se necessário para seus “interesses legítimos. . . exceto quando esses interesses forem substituídos pelos interesses ou direitos e liberdades fundamentais do titular dos dados.” Ou seja, vai depender como os tribunais interpretarão a lei em cada caso. A LGPD que entrará em vigor no Brasil em maio de 2021 sequer menciona os termos “leilão” ou “anúncio”. Possivelmente terá suas brechas para interpretação também.

Cenário sem publicidade direcionada

É evidente que teremos vítimas caso essa mudança venha a ocorrer. Empresas, especialmente adtechs precisariam lutar muito para se adaptar. O Google continuaria fazendo uma fortuna vendendo anúncios com base nos termos pesquisados pelas pessoas (atualmente representa cerca de 60% da sua receita) e com a publicidade nos vídeos do YouTube.

O Facebook… bem, eles ainda teriam sua enorme base de usuários para buscar outras formas de monetização.

Todos esses negócios e a internet ainda continuariam a existir. Para o professor de ciência da computação da Carnegie Mellon, Timothy Libert:

O que não existiria é essa estranha anomalia em que algumas empresas de publicidade – que é o que são – são as maiores e mais poderosas empresas do planeta.

É isso. O que você acha da proposta? Deixe sua opinião nas redes sociais ou entre em contato se preferir.

Continue lendo: Objetividade e perspectiva jornalística

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